Sem formação a condizer com a profissão em causa nem prática com outro paciente que não seja este que aqui vos escreve, não tem pretensões a resolver os problemas de ninguém. Tenta resolver com maior ou menor sucesso os do seu único paciente que, dada a relação existente, nada poderá reclamar.
Se no processo aquilo que aqui se escrever ajudar outros pobres infelizes ... que sorte!

A todos aqueles que se mostrarem descontentes quer com os resultados da consulta quer, e sobretudo, com a leitura, receita-se apenas o nobre colega Jorge Bucay que se não vos ajudar poderá pelo menos satisfazer o vosso gosto pela leitura durante mais tempo que eu.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Lagoa

Olhei para baixo.
Nas águas límpidas e cristalinas uma face triste olhava-me de volta. Não fora o semblante carregado e juraria que era a mesma rapariga que horas antes fora motivo de alegria para muitos. E no entanto, agora estava só e distante, inconsolável e sem alguém como ela para lhe trazer a alegria de volta. Como podia alguém capaz de contagiar tantos com um simples e singelo sorriso estar abandonada? Não podia ser! Alguém como ela não podia estar só. Não podia ficar abandonada merecendo certamente melhor destino.
Decidi-me por ficar junto a ela. Decidi que só sairia quando a sua felicidade voltasse. Seria a sua melhor companhia apagando-lhe da memória qualquer outra companhia que pudesse ser a causa do desvanecer de toda sua alegria. E ali ficámos durante largos momentos, sem que nenhuma conseguisse quebrar o olhar intenso dos nossos olhos.
Bem lá no fundo começou a formar-se um leve sorriso que lentamente veio emergindo até atingir a superfície da lagoa. Sorri como que contagiada. Aquela rapariga conseguira trazer de volta toda a minha alegria. Num salto levantei-me e comecei a caminhar de volta para a festa. A meio parei como que para me despedir, mas a rapariga já lá não estava. Abri um sorriso enorme e desatei a correr. Não queria conter o desejo de contagiar alguém.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O que dizem os teus olhos

Que o tempo pare!
Correspondesse ele à minha vontade e este momento ficaria para sempre suspenso. Tantas oportunidades tivera e jamais a minha coragem me permitira aproximar como hoje dos teu intensos olhos verdes. Nunca a minha ânsia de mergulhar neles e descobrir todos os seus segredos e encantos estivera tão forte. E finalmente aqui estou eu, sem receios, contemplando-os fixamente sem querer perder uma fracção de segundo do seu encanto. Quero finalmente lê-los. Quero finalmente saber o que têm para me dizer.
Porque me contivera durante o que parece ter sido uma eternidade? Porque só agora me arrependia de todo o tempo perdido?
O tempo, implacável, não parara nunca e contra a minha vontade, continuava a sua lenta marcha.
A medo, ternamente, coloco a minha mão sobre a tua face. O meus dedos tremem mas suavemente forçam-te a cerrar as palpebras sobre essas maravilhosas esmeraldas que sempre me cegaram. Lentamente levanto a mão. As pábebras permanecem ocultando teus olhos verdes cujo brilho intenso iluminara a minha imaginação. Mas não hoje. Hoje parecem cobertos com um tom que oculta toda a vida e me impede de dizer o que nunca dissera ... o quanto os amara.

sábado, 6 de julho de 2013

Voltei ...

Passava mais de um ano desde que aqui estivera pela última vez. Quebrar as trevas instaladas e voltar a contemplar o que estivera suspenso no tempo durante o que parecera uma eternidade era algo aterrador e, ainda assim, ansiava por este momento que agora se revelava reconfortante.
A escuridão cedia a sua posição dominante e a luz inundava agora todo o espaço deixando ver o que durante tanto tempo estiver oculto.
Nada perecia ter sido alterado e tudo estava imaculado, tal como eu deixara.
Como que assombrado pela longa ausência, um tom fantasmagórico parecia agora emanar deste lugar. Sorri ao compreender este fascinante brilho, fruto do reflexo da luz nas minúsculas partículas de pó que tudo cobrem. Aí pareciam ter sido colocadas propositadamente criando uma fina camada protetora que nada deixa tocar. Pura ilusão. Um simples toque desfaz esta inocente proteção e facilmente expõe aquilo que a mesma parece querer proteger.

Parei a observar e desfrutar o momento. Nem sei se contemplava o local ou se todos os bons momentos que ai passara.
Voltariam? Voltaria a ser igual? Voltei?
A verdade e que quem partiu não parecia ter regressado a este espaço.
Nesse momento todas a minhas dúvidas se transformavam em certeza. Algo mudara ali.
Eu!

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Cabra

O prado era de um verde imaculado salpicado por pequenas flores que insistiam em quebrar a monotonia.
Como sempre havia algo mais que, com uma paciência de anjo condizente com o imaculado branco que a cobria, ia fazendo deste imenso prado o seu festim.
Era assim todos os dias logo que o sol começava a sua curva descendente no céu. Iniciava o seu lento percurso junto as árvores que lhe permitiam abrigar-se do ainda acentuado calor do sol e afastava-se em direção a uma estrada secundária raramente utilizada, não porque a falta de asfalto o não permitisse mas porque não levava a qualquer lugar.
Aí se detia cortando rente a relva já curta de dias anteriores até que ela aparecia. Nos primeiros tempos fugira mas progressivamente foi perdendo o medo e agora já não prescindia dos carinhos que ela lhe dava. E assim ficava, sentindo o calor da mão dela afagando o seu pelo. Aproveitava cada minuto desde que ela estendia a toalha no chão até que ouvia a chegada de outro carro indicando que era hora de se ir. Não gostava dele.
E no entanto hoje o som era diferente e nesse dia ele não era o mesmo.
Do seu posto de vigia não assistiu à carinhosa entrega de corpos que sempre via. O contacto agora parecia mais rude e os seus corpos nunca ficaram nus. A duração essa foi bem mais curta e os gritos não de carinho mas de agonia cessaram rapidamente quando as mão daquele homem se fecharam no pescoço dela.
Era normal que ela ficasse num estado de dormência, parecendo saborear cada momento passado, enquanto ele se afastava. Até isso hoje parecia diferente. O seu corpo não deixava transparecer qualquer movimento e nem a sua aproximação para se despedir parecia surtir efeito.
Como que em tom de beijo afagou os seus cabelos com o seu focinho e depois afastou-se.
Já não lhe agradava aquele local ... amanhã iria pastar para outro lado

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Batalha perdida

Lá em baixo a poeira levantada não era suficiente para ocultar a sua imagem forte e musculada que sobressaía no campo de batalha. Os sons de espadas em constante embate não abafavam a sua voz autoritária e de incentivo.
No cimo da muralha o crepitar ocasional de uma flecha perdida desfazendo-se contra a pedra impenetrável não impediam que olhos penetrantes o procurassem e perseguissem por entre a amuralha.
Como se pressentissem, os seus olhos encontraram os dela. Por momentos o tempo pareceu parar fixando este olhar que fazia relembrar tempos recentemente idos mas ainda gravados na sua memória. Momentos em que ele, mais que marido, fora apenas seu amante.
O som metálico de uma flecha mais atrevida que embatia na parede atrás de si fez com que ela quebrasse o contacto. Tentou recuperar o seu olhar mágico mas ele já lá não estava. Como que tomado por uma loucura repentina, galgava por cima de combatentes já caídos ou que caíam pelo fio da sua espada.
Custava-lhe respirar ao ver a forma selvagem e dedicação redobrada com que lutava, nada o parando no novo caminho que tomara e que o trazia na sua direção.
Seria possível que ele acordara de repente? Que finalmente vira que ela nunca deixara de o amar?
O seu coração parecia querer rebentar no peito ao vê-lo alcançar a escadaria que o trazia diretamente na sua direção.
Estava ofegante quando chegou junto a si e se ajoelhou. Ela não queria acreditar, pela primeira vez desde que o conhecera ela via alguma fraqueza.
Ele não se levantou nem lhe tocou. Ao invés permanecia a seus pés chorando. Nos seus braços segurava uma delicada figura feminina vestida de um branco imaculado que só um tom vermelho teimava em manchar.
O mesmo tom avermelhado que tingia a flecha que seu amado agora segurava na mão.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Fria como aço

A porta fechou-se atrás de mim silenciosamente, protegendo-me do frio noturno.
Estava escuro e apenas a lua cheia que brilhava através do vidro do quarto lhe dava alguma luminosidade. Era suficiente para que eu a vislumbrasse sobre a cama, transmitindo-me uma áurea de paz como só ela conseguia nas últimas semanas.
Sentei-me a seu lado. Durante longos minutos não me atrevi a tocar-lhe, apenas contemplá-la. A calma que agora sentia apenas seria abalada pelo que se seguiria.
Como que a medo, toquei-lhe. Nada sucedeu. Demoradamente, os meus dedos percorreram todo o seu corpo, calcando caminhos já bem conhecidos de noites anteriores.
Frieza era a única recompensa que meus dedos recebiam em troca. Era como se ela soubesse. Como se quisesse esfriar o calor que eu sentira quando pouco antes uma mão quente me percorria fazendo-me sentir uma alegria de viver que julgava desaparecida.
Tomei-a nas minhas mãos acariciando-a uma última vez. Hoje, o meu amanhã não seria decidido por ela.
Tirei a única bala que sempre estava no tambor e coloquei-a na gaveta.
Não era traição, era uma vontade de viver renovada que me fazia substituir esta amante fatal por outra que verdadeiramente me abria as portas ao desconhecido.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Penso, logo existo

E o que sucede quando não penso? Deixo de existir?
Paro para pensar (o que já por si evidencia que nem sempre o estou a fazer), procurando o que esta racionalidade me trouxe. Uma mão cheia de memórias que recordo como marcantes terão que satisfazer esta minha ânsia de procura.
A surpresa, se assim lhe quisermos chamar, surge somente aquando das inúmeras lembranças que me ocorrem quando faço o mesmo exercício para os momentos em que não pensei e me entreguei aos malefícios (benefícios?) de uma irracionalidade, momentânea que fosse.
Momentos extraordinários em que sonhei, acreditei, amei, chorei, ri, senti, ... , vivi.
Conceda-mo-nos a extravagância de pensar mais um pouco nos momentos de racionalidade e concluir que mais não vieram senão na sequência dos outros, pela necessidade de os enaltecer ou amenizar. Pela necessidade de os imortalizar, gravando-os de forma permanente na minha memória.
Afinal?
Penso, logo existo.
E quando não penso?
Estou a construir o meu existir!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Morto-Vivo


- Estou morto
É o que sinto quando toco com a ponta dos dedos no meu peito e experimento uma estranha frieza. Faz ainda pouco tempo e estes mesmos dedos ferviam e faziam ferver quando em contacto com o corpo dela. Uma química que não se explicava, apenas se sentia. Uma ténue corrente que nos prendia desde o momento em que pousavam nos seus ombros. Uma suave e morna corrente que percorre por entre dois montes. Uma delicada manta de luz solar que cobre os montes antes de descer em direcção ao vale. Uma fogueira que nos aquece num vale à beira do desconhecido.
Desperto! Acordo deste sonho para a realidade sentindo os dedos húmidos. Sou eu. É o meu corpo que me diz:
- Estou vivo

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Encontro marcado


Toquei três vezes. Sabia que este toque mais do que anunciar, me denunciava. O trinco deu sinal de que a entrada me era permitida. No cimo da escada somente a porta entreaberta me aguardava. Não era aqui que ela me esperava.

Na sala a sua silhueta chamava-me. Contagiava-me a sua calma e, como sempre fazia, limitava-se a contemplar-me enquanto me desfazia das roupas que me protegiam do frio de Dezembro. Aqui de nada me serviriam.

Não trocámos uma palavra. Não era preciso. O ritual perpetuava-se.

Deitei-me. Seu corpo esguiu somente então se moveu para se aproximar de mim. Senti quando se sentou a meu lado e ali permaneceu silenciosa.

Fui eu quem falou finalmente.

- Boa tarde Doutora.

E a consulta começou.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Quem sou?

Sou aquele que visitas todos os dias, aquele que te escreve, aquele que te alegra o espirito e te faz sonhar, aquele que te encanta a noite e com quem te vais deitar e sonhar.

Sou aquele desconhecido com quem te cruzas na rua sem desviar o olhar.






Sou um desconhecido que te escreve sem verdadeiramente te encantar.

Sou aquele que na rua te fez desviar o olhar, que esse mesmo olhar guardou, que de ti se aproximou, que esses lábios beijou, que esse corpo desnudou e amou. Que sem palavras te fez sonhar e teu espirito alegrou, que tua noite encantou e com quem vais sonhar.